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24 de Abril de 2024

Primeiro país a legalizar maconha, Uruguai declara 'guerra' ao álcool

O Uruguai cultivou uma tradição liberal desde o início do século 20, quando consagrou o Estado laico e aprovou leis pioneiras na região sobre temas sociais como o divórcio por iniciativa da mulher e o voto feminino.

Por BBC Gerardo Lissardy

Às 0h00 de cada dia, entra em vigor no Uruguai uma lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas até as 6h da manhã. E Sosa, de 30 anos, tem que cumprir a lei diante de clientes sedentos.

"Me choca um pouco ter que explicar (a lei) a cada pessoa que chega, mas está bem", afirmou à BBC Mundo. "Há um pouco mais de ordem; a coisa estava um pouco descontrolada".

Primeiro pas a legalizar maconha Uruguai declara guerra ao lcool

Sosa conta que os clientes da sua loja, no bairro de classe média alta Parque Rodó, criticam o fato de o mesmo país ter legalizado a maconha, uma droga que em breve deverá ser vendida ao público em farmácias.

"Com esse assunto da maconha, todos estão sempre perguntando: Ah, não vende álcool mas a qualquer momento vai começar a vender maconha aqui?", relata.

É provável que em poucos meses essa rotina de proibição e queixas comece mais cedo para Sosa: o governo anunciou um projeto de lei para estender o veto à venda de álcool das 22h de cada dia até 8h do dia seguinte.

A iniciativa — que excluiria bares, restaurantes e casas noturnas — integra uma batalha anunciada pelo presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, contra o consumo de álcool.

Neste país de 3,3 milhões de habitantes que nos últimos anos surpreendeu com leis liberais e permissivas sobre maconha, aborto e casamento gay, também há normas restritivas sobre o álcool, o sal e até sobre fantasias de Carnaval.

'Tolerância zero'

Ao assumir a Presidência em março, sucedendo José Mujica, o médico oncologista Vázquez prometeu ações "muito fortes" contra o alcoolismo, parecidas com as que impulsionou contra o tabaco em seu primeiro mandato (2005-2010).

Por iniciativa dele, o Uruguai se tornou em 2006 o segundo país da América Latina — e o sexto do mundo — a proibir o fumo em espaços públicos fechados, um ano depois de Cuba.

Em 2009, o país determinou a cobertura de 80% dos maços de cigarro com alertas antitabagismo: "Se não parar de fumar por conta própria, pare por quem precisa de você", afirma, por exemplo, um desses alertas, sobre a imagem de um menino triste encostado em um túmulo.

Também proibiu o uso nos maços de expressões como "light", "mentolado" e "gold".

Deste modo, o Uruguai se inseriu na vanguarda mundial desse tipo de política, que, segundo o governo, permitiu reduzir o consumo de tabaco e as doenças associadas ao uso.

Mas o país foi processado pela maior empresa internacional de cigarros, a Philip Morris, que alega que as restrições "vão mais além" das de outros países e violam um tratado de investimentos.

Já no segundo mandato, Vázquez enviou em maio ao Congresso um projeto de lei para impedir que motoristas de veículos ingiram uma quantidade mínima de álcool, baixando do atual 0,3 a 0,0 grama de álcool permitidos por litro de sangue.

O argumento para isso foi o de que há provas de que o consumo de álcool, inclusive em pequenas quantidades, aumenta o risco de acidentes de trânsito.

Mas parlamentares de oposição disseram que essa medida, inspirada em normas do Brasil e outros países, se aplicaria em um país que legalizou o mercado de maconha, e pediram também "tolerância zero" para o consumo da droga por motoristas.

Juan Andrés Roballo, secretário da Presidência uruguaia, afirma que as ações referentes a álcool têm origem numa comissão que Vázquez criou com representantes políticos e sociais, e nega que tenham "espírito proibicionista ou de guerra às drogas".

"O consumo social de um copo de uísque, vinho (…) ou o que seja não está proibido", afirmou Roballo à BBC Mundo. "O que está proibido é juntá-lo com outras atividades, como dirigir".

'Combinação original'

Iniciativas como as que envolvem o álcool estão longe de ser novidade no Uruguai, onde segundo dados oficiais há 260 mil pessoas afetadas pelo uso problemático da bebida.

O governo de Mujica, que como Vázquez pertence à coalizão de esquerda Frente Ampla, propôs um projeto de lei para proibir em discotecas, pubs e bares o "open bar" (consumo ilimitado de álcool depois de pagar uma entrada) e os happy hours (duas bebidas pelo preço de uma).

Mas esse projeto naufragou no Congresso, enquanto avançavam iniciativas que fizeram do Uruguai o primeiro país do mundo a ter um mercado legal de maconha ou o segundo da região que permitiu o aborto quase sem restrições, depois de Cuba.

Roballo afirma que essas medidas e as iniciativas sobre o álcool têm em comum um ímpeto de "regulação" por parte do Estado, mas alguns as encaram como uma mistura atípica.

"Por um lado é uma combinação ao menos original entre aquelas leis, normas ou disposições do arsenal mais liberal e, por outro lado, essas regulações muito fortes", avalia o historiador uruguaio José Rilla.

O Uruguai cultivou uma tradição liberal desde o início do século 20, quando consagrou o Estado laico e aprovou leis pioneiras na região sobre temas sociais como o divórcio por iniciativa da mulher e o voto feminino.

Rilla lembra, no entanto, que nessa época também surgiu "um Estado sanitarista que distingue e define bem o saudável e o doente, o bom e o mau, onde colocar os loucos e os doentes, como tratá-los e o que é uma vida saudável".

E afirma que a evolução mais recente disso coincide com uma tendência mais global e com o mandato de um presidente como Vázquez, "que baseia uma parte de sua força e prestígio perante a opinião pública em sua condição de médico".

Mas isso não é um reflexo exclusivo da Presidência.

Montevidéu, a capital que abriga 40% da população uruguaia, proibiu no ano passado restaurantes, bares e outros pontos de venda de comida de colocar sal ou potes de maionese nas mesas sem que os clientes peçam, para resguardar a saúde deles.

Primeiro pas a legalizar maconha Uruguai declara guerra ao lcool

Também há restrições por motivos de segurança.

No Carnaval deste ano, por exemplo, a polícia indicou que estavam proibidos "fantasias ou estandartes que satirizem ideias religiosas, políticas, filosóficas ou étnicas", assim como brincadeiras com água e queima de foguetes.

Apesar de os uruguaios encararem essas limitações com tranquilidade, alguns não escondem a irritação.

Um deles é Agustín Rovira, estudante de contabilidade de 27 anos que foi comprar uma cerveja na loja de Sosa e foi informado que o veto havia começado - ainda que seu relógio estivesse marcando dois minutos para a meia-noite.

"Bancamos os liberais de primeiro mundo ao liberar a maconha e tudo isso, e depois nos impõem restrições como crianças, como no caso do álcool, que supostamente sempre foi legal", afirmou, antes de ir embora com as mãos vazias.

Primeiro pas a legalizar maconha Uruguai declara guerra ao lcool

Fonte: BBC. Com por Gerardo Lissardy Enviado especial da BBC Mundo ao Uruguai

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12 Comentários

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Sacanagem. Digo, eu sou a favor da descriminalização de todas as drogas, em especial do álcool - já que eu consumo bastante. rs :)

Agora falando sério, eu acho que o Estado tem a obrigação de criar campanhas contra o uso de drogas, em especial do álcool e cigarro, posto que são estas que mais oneram os cofres públicos e inundam o SUS. Mas... drogas são como suicídio: o estado não pode proibir e nem impedir que se use/faça, desde que, lógico, não atinja bem alheio.

Uruguai deu bola fora aí. continuar lendo

Também acho meu amigo, ....descriminalizar tudo...se utiliza delas quem quer e acha que deve e pode.
Tenha um boa dia
Abraço e bom final de semana! continuar lendo

Caro amigo, Drogas proibida ou não, ninguém pega uma faca e coloca na sua mão e diz, ei si mata, ohhh! Vamos aos fatos, quer usar, OK! Mas não ferra a vidas de outras pessoas que nunca usou. continuar lendo

Exatamente, Lucas. Por isto sou a favor da discriminalização. Quer usar? Ok. Crime por quê? Agora, se atingir bem alheio responde pelo dano causado. É simples!!! continuar lendo

o problema de descriminalizar tudo é a excessiva oneração no sistema de saúde de um país que garante a saúde a seus cidadãos. é esse o fundamento para campanhas anti tabagismo.
Maconha pode não fazer tão mal assim, mas veja o crack, a cocaína.. continuar lendo

Todas as drogas, Wagner?
Creio que você está um tanto equivocado. Se drogas como o Crack são proibidas, é por causa disto, ocorrido semana passada na cidade onde eu morava: http://www.noticiaja.com/segurança/filho-viciado-mata-maeepadrasto-em-itapema-na-madrugada-desta-quinta-feira/ (basicamente, o filho drogado matou a mãe e o padrasto à facadas, depois resolveu enfiar uma garrafa de champanhe no ânus de sua genitora, já morta).

Os efeitos de algumas drogas não refletem apenas nos usuários, mas, principalmente, nas suas famílias e em toda a coletividade, que sofre com a prática de crimes, por vezes, praticados para alimentar o vício.
Deve-se prevenir esse tipo de conduta. continuar lendo

Elana, quanto a esta determinação não sei realmente a situação do país apesar da legalização da maconha, creio que o álcool faz muito mais danos do que a erva.Agora estou torcendo que dê certo é a cerveja artesanal onde cada turma fabrica sua própria cerveja sem precisar de marketing e cada um aprova seu gosto.As propagandas, consegue hipnotizar seus consumidores através das mensagem de prazer e satisfação e ainda mandam beber com moderação! continuar lendo

Aquela cachacinha artesanal direto do alambique e curada em barril de carvalho e curada após três anos, vale a pena beber de vez em quando. continuar lendo

No mundo existem dois caminhos a trilhar, um bom e outro ruim, isso é, um , mal caminho e outro, bom caminho, no mundo em que vivemos sempre existiu isso. Ninguém é obrigado a seguir um ou outro, a escolha é sua. continuar lendo